quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Ilhabela, paraíso dos fotógrafos de aves

 Ave amigos!

Foi um dia apenas, mas se a primeira impressão é a que fica, Ilhabela é um verdadeiro paraíso para nós, observadores de aves, principalmente se você curte fazer fotos tops de bichos difíceis.

E bota difícil nisso heim!!! A lista é encabeçada pela menor e mais arisca saracura do Brasil, a saracura-lisa, uma das aves mais difíceis de fotografar que eu conheço. 

Lembro-me de quando conheci essa espécie. Fiquei impressionado pois só havia fotos dela à noite, já empoleiradas, recolhidas para o seu descanso noturno. Pensei, essa aí deve ser missão quase impossível... Quando enfim topei com uma, as expectativas se concretizaram. Não vi nem sombra do bicho, um verdadeiro fantasminha.

Mas o Fernando Moraes é mais do que um guia, é um encantador de aves e qual foi minha surpresa quando ele começa a chamar, "Dedé, Dedé, Dedezinha..." 

Estupefato, vi a Dedezinha subir ao palco preparado para o seu desfile, deixando para trás toda a sua famosa timidez. 

Dedé (Amaurolimnas concolor)



No segundo encontro que tivemos com a Dedé, o palco foi pequeno para tantas estrelas. 
Fernando, como grande maestro, conseguiu lidar com os apetites vorazes de uma conhecida família que pintou quando preparávamos o palco para a segunda apresentação da grande estrela que tem arrastado fotógrafos de todo Brasil a Ilhabela.

Mackenziaena severa



Dois jovens machos eram alimentados pela fêmea

 Aquela cena nunca sairá da minha cabeça... Sentado no chão, esperando a Dedé se apresentar no divino palco da Natureza, com uma família de borralharas faltando só pousar em mim.


E novamente Dedé, a fantasminha camarada, se apresenta

E desfila



Outra espécie difícil de fotografar que foi encantada pelo Fernando é a papa-taoca-do-sul, que também deu show.






Pyriglena leucoptera


Pessoal, foi incrível!!! Enquanto o Fernando preparava o palco da estrela principal, na sua primeira apresentação, um casal de chupa-dentes pintou, atraído pelo encantador de aves.

Conopophaga lineata

Estamos falando de espécies difíceis a muito difíceis de fotografar. O papa-formiga-de-grota está no meio dessa escala e é mais um bichinho que sou fã. O Fernando disse que o Myrmoderus que ele encantou não gosta muito de pintar quando ele está acompanhado. Coincidência ou não, pintou um outro indivíduo, que nos deu aquele tradicional trabalho, mas que no apagar das luzes nos brindou com uma bela aparição.

Myrmoderus squamosus






Pessoal, realmente fantástico o trabalho que o Fernando está fazendo em Ilhabela! Ele é um verdadeiro amigo das aves e inestimável colaborador de todos nós que buscamos registrar a rica biodiversidade brasileira, mesmo aquela que parece ser impossível.


Outras aves que pintaram nessa sensacional passarinhada.

Guaracava-cinzenta (Myiopagis caniceps)
Papinho-amarelo (Piprites chloris)



Harpagus diodon

Philydor atricapillus




Ramphastos dicolorus


E, para finalizar, a presença mais marcante na ilha, ave símbolo da belíssima Ilhabela, maior papagaio brasileiro, o papagaio-moleiro.









Amazona farinosa


Todo começo e fim de dia a ilha estremece com o poderoso vozerio de bandos e bandos de papagaios-moleiros. Um verdadeiro show!






Por fim agradeço mais uma vez o grande Fernando Moraes por seu incrível trabalho com as aves. Seus extraordinários feitos exigem realmente uma dedicação extrema e são merecedores de aplausos!

No Parque Estadual de Ilhabela








terça-feira, 28 de novembro de 2023

1200!

Ave amigos!

Principio esse post comemorativo com uma curiosidade:

Em novembro de 2020 publiquei aqui o post das 1100 espécies registradas, começando assim: 

"Em novembro de 2017 alcancei a marca de 1000 aves brasileiras registradas. Depois do milhar, três anos se passaram para fechar a primeira centena."

E, coincidentemente, mais exatos três anos se passaram para fechar outra centena. 

Nesse ritmo, daqui a 21 anos completo o álbum😅

Bem, continuar viajando, conhecendo e experimentando esse país tão amado e fazendo lifers ainda é o maior barato. 

Continuar tentando sensibilizar os compatriotas, através de singela, porém apaixonada divulgação das nossas belezas nacionais, ainda é um bom motivo para seguir rumo às 1300.

Coincidentemente também, foi em busca de tudo isso que escapei da maior onda de calor que castigou o Sudeste. 

Não que o Maranhão seja um lugar fresco, muito longe disso, mas estava suportável de dia, e de noite uma suave brisa tornava agradável nossas saídas para jantar ou procurar alguns bacuraus de nossa lista. Perto dos relatos que recebíamos, estávamos num oásis!

Aqui vale um parênteses. 

Estamos tendo diversos avisos de que o caminho que estamos seguindo não é seguro. Estamos vendo previsões científicas não muito boas se concretizarem. 

Quando a humanidade tomará um novo rumo?! Por quantas catástrofes ainda precisaremos passar?! 

Saudade do tempo que "morrer de calor" era só uma figura de linguagem (hipérbole, para ser mais preciso, conforme explicação do meu filhote que estudou essa matéria recentemente).

Minha impressão é que estamos conscientemente seguindo para o auto extermínio. 

Poder e ambição realmente cegam! 

Insanos!!! Acham que vão levar daqui algo além das desgraças que dão causa?!


Nosso primeiro objetivo era uma missão quase impossível. Aliás, só recentemente, através do trabalho do guia e pesquisador Luis Morais, é que começaram a pipocar fotos incríveis de um dos maiores fantasmas de nossas florestas, o fantástico jacu-estalo. 

Apesar de encontrarmos 5 indivíduos, em dois dias intensos de buscas, em que o Luis não mediu esforços, não conseguimos o tão sonhado registro, mas vivemos fortes emoções, e como diria o rei, "se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu viviiiiiiii".

Durante as buscas pelo enigmático jacu (que de jacu não tem nada), fizemos os dois primeiros lifers da viagem. 

O primeiro foi um dos que mais queria fazer, um dos top 5 da viagem. 

Conopophaga roberti
Pintou até essa jovem fêmea

Sou fã desse gênero e fiquei muito satisfeito com os registros que consegui do chupa-dente-de-capuz, uma belíssima espécie, com área de ocorrência restrita ao Maranhão e arredores e que não costuma facilitar muito para os fotógrafos de plantão. 

No mesmo local, imóvel, na expectativa do aparecimento da maior entidade daquelas matas, fizemos o segundo lifer da viagem, o barbudo-rajado-pequeno, outra espécie ainda mais restrita que a primeira e não menos bela. 

 

Malacoptila minor
Para um leigo como eu, pareceu-me idêntico ao "nosso" barbudo-rajado

Apesar de todo esforço e dedicação do Luis, o sonho ficou para depois.


No dia seguinte seguimos com o Thiago Rodrigues para a realização de uma passarinhada que estava programada há meses e que há anos estava em meus planos. 

Começamos o festival de lifers com o furriel-do-norte. Rumo às 1200!!!

Caryothraustes canadensis


A maria-pechim foi uma daquelas espécies que identificaram erroneamente e que acabou sendo corrigida, depois de anos, por um moderador do Wikiaves. 

Pra mim é realmente muito difícil a identificação de alguns gêneros, como é o caso do dela. Então dependo sempre da ajuda dos experts.

Mas na companhia de três feras, Thiago, nosso guia, e os ornitólogos e parceiros de longa data, Guilherme Serpa e Clézio Kleske, essa maria não me escapou, apesar de estar em meio a um grande bando misto que pintou quando já retornávamos da primeira trilha do dia.

Myiopagis gaimardii, espécie de número 1190


Da trilha fomos direto pra casa do Thiago, onde o rabo-branco-do-maranhão tem frequentado.


Phaethornis maranhaoensis

Mesmo com o sol a pino, o pequeno beija-flor pintou e, depois de algumas fotos, aquela parada obrigatória para o almoço e sua respectiva sesta, afinal, até os passarinhos descansam nessas horas mais quentes do dia.


À tarde saímos com a nada fácil missão de fotografar um dos pica-paus mais raros, belos e difíceis do Brasil, o sensacional pica-pau-da-taboca.

Em perigo de extinção devido ao desmatamento, ficou 80 anos desaparecido, sendo reencontrado somente em 2006, no estado do Tocantins.

Seu nome popular vem de sua dependência de um tipo de bambu (taboca) que abriga algumas poucas espécies de formiga das quais se alimenta.

Tabocal

Encontramos uma família nesse tabocal. 

Tenazmente nos embrenhamos, tentando em vão algum registro. 

Era um tipo de cerrado muito fechado, achar uma "janela" era quase impossível. E além de tudo os bichos eram ariscos. 

Depois de muita luta, desistimos e partimos para outro ponto desse que era um dos "cabeças" da minha lista. 

No outro ponto, que era mais aberto, obtivemos sucesso com um jovem que facilitou bastante, permitindo uma boa aproximação.



Momento da foto
Crédito: Thiago Rodrigues

Apesar da luz não estar lá essas coisas (como dá pra ver na foto acima que se avista o pica-pau bem sombreado), fiquei muito satisfeito com o registro dessa raridade de nosso Cerrado, conquistado graças à dedicação e perseverança do nosso guia.

O Thiago me informou que a ciência desconhece os hábitos reprodutivos dessa fantástica espécie. Nunca encontraram um ninho!!! 

Também afirmou que nunca tinha visto um jovem como esse fotografado, o que me deixou ainda mais satisfeito. 

Uma das coisas mais legais da nossa atividade é a oportunidade de poder colaborar com a ornitologia (através do site de ciência-cidadã Wikiaves onde esse indivíduo ilustra o jovem na página da espécie, p. ex.).

Celeus obrieni

Antes do Thiago encontrar o colaborativo jovem, um adulto pintou, com a cautela e o penacho que o jovem ainda não adquiriu.


Verdadeira ginástica para vencer a brenha e a desconfiança do adulto
Foto: Thiago Rodrigues

Muita edição para tentar vencer a escuridão e mostrar um pouco da beleza da sp

Após o Serpa e o Clézio conseguirem um lifer que buscavam próximo ao local que fotografamos o raro picídeo, finalizamos esse primeiro dia com chave de ouro.


Para o segundo dia tínhamos mais uma nada fácil missão, fotografar outro top 5, a rara e pouco acessível araponga-do-nordeste.

Habitando os galhos mais altos e sendo um bicho muito perseguido pelos gaioleiros, essa araponga também deu muito trabalho. Lembrei-me novamente da recente viagem a Pernambuco, onde ela também ocorre, mas não a encontramos. 

Procnias averano, fêmea


Infelizmente, o macho com sua incrível barbela ficou para uma próxima, a despeito de todo esforço para encontrá-lo.

Durante as buscas ao macho da araponga, encontramos outro lifer, o sebinho-de-penacho, interessante e minúsculo passarinho que possui penacho mas que hora nenhuma se "entopetou". 

Lophotriccus galeatus


À tarde fomos em uma área de Cerrado típico em busca de alguns lifers para o Clézio e de um "melhoralifer" pro Serpa. 

Rolou um lifer do Clézio, um mineirinho que comprovou sua tradicional hospitalidade nos recebendo muito bem, sem cerimônias, como nós mineiros gostamos.

Charitospiza eucoma


No dia seguinte partiríamos para nosso segundo e mais aguardado destino maranhense, os arrozais de Arari, palco da famosa sanazada, onde tudo começou, em 2015, com um primeiro contato do Thiago. 

Mas antes de partir, já no terceiro dia sob a batuta do nosso excelente guia, ainda tivemos tempo para o último lifer de Caxias, o papa-taoca-de-belém, tinhoso como seu "primo" do sudeste.

Pyriglena leuconota, fêmea

Nesse mesmo dia também ralamos pra tentar fotografar o aracuã-de-sobrancelhas (que, com algum trabalho, não nos escapou em Arari). 


Mal chegamos em Arari e fomos direto ao que interessa, conhecer o arrozal mais top do Brasil, lar de uma incrível quantidade de aves típicas de áreas úmidas, como sanãs, saracuras, socós e socoís.

Enfim, Arari

Uma típica chuva de verão nos recebeu, criando um "boas vindas" que parecia prenunciar também a diversidade que testemunharíamos nos próximos dias.

E para começar com o pé direito, logo que adentramos o arrozal encontramos várias saracuras da que considero a mais bonita do Brasil. 

Pardirallus maculatus



Adultos, jovens e filhotes pareciam brotar da plantação.


Jovens da saracura-carijó




Lifer de número 1196, não percam a conta😆






O Thiago disse que essa era a saracura mais comum por lá. 

Que notícia boa...




Como se já não bastasse para um fim de tarde esse show da carijó, pintou ainda uma das sanãs mais aguardadas e talvez a mais bonita (a concorrência é grande), a sanã-amarela, que me surpreendeu também pelo tamanho. Pensa num bichim pequeno... Os extremos na Natureza sempre me fascinaram. 

Encontramos outras, mas para manter a fidelidade à sequência dos fatos, essa foi a primeira que fotografamos.

Laterallus flaviventer

Pelas fotos não dá pra ter noção do seu tamanho, mas toda essa belezura aí cabe nuns 13 cm!

Essa aqui embaixo foi fotografada na manhã do dia seguinte e mostra os longos dedos adaptados para o forrageio em ambientes aquáticos, onde caminha procurando pequenos grãos, artrópodes e insetos.





E as emoções não terminaram por aí. Foi um primeiro dia extasiante!!! 

A luz esvaia-se, fato que, nas passarinhadas, sempre me causa certa melancolia. Mas não quando temos alguns bacuraus em vista, e o Thiago nos levou em um ponto certeiro do próximo lifer, o bacurau-de-cauda-barrada.

Nyctiprogne leucopyga


Primeiro dia acordando em Arari. Quatro e meia da matina e já estávamos de pé, cheios de disposição! Nada como fazer o que se gosta, né? 

E logo bem cedo encontramos o lifer de nº 1199! 

Outro bicho que curto demais, o fantástico socoí-amarelo. 

Ixobrychus involucris

A mesma foto, com e sem crop.



Há pouco tempo tinha registrado o socoí-vermelho ("primo" do socoí-amarelo) também com o Serpa no interior daqui do Rio. Bicho tinhoso, deu muito trabalho. Em setembro o encontrei em Pernambuco, com meu primo e compadre Durvalzinho, mas só consegui ver um vulto em voo (vide último post do blog). Mas quando se tem uma infinidade de ambiente e bichos, as possibilidades se multiplicam. 

O primeiro encontro foi assim, bem distante, mas vários outros rolaram, para nossa alegria. 

Sou fã desse bicho, que não costuma ficar exibindo sua extraordinária beleza.











A cada encontro, uma nova emoção 





E alguma hora, a sorte sorri para quem persevera

Bem amigos, quis o destino que a 1200ª espécie fotografada nesses quase 14 anos de atividade fosse a rainha do paraíso das sanãs! Espécie que praticamente alçou Arari como um dos destinos mais famosos do birdwatching nacional, já que quase todos os registros realizados no Brasil foram feitos em seus imensos arrozais.

Reza a lenda que é uma espécie difícil (fama que compartilha com suas congêneres), mas os muitos anos de experiência do Thiago fez com que, em instantes, a sanã-preta desfilasse em um teatro estrategicamente montado, para delírio de uma plateia de privilegiados. 

E assim me despeço, com a imagem desse fantasminha do extremo norte brasileiro, agradecendo a Deus pelo privilégio de ter nascido numa terra cuja natureza é ímpar, e ainda resiste, apesar de séculos de exploração colonialista.

Laterallus jamaicensis