terça-feira, 12 de maio de 2015

Na Serra do Cipó com o Fernando Pacheco

Foi com grande entusiasmo que recebi o convite do Fernando Pacheco para excursionarmos pela serra do Cipó.

O Fernando dispensa apresentações, qualquer observador de aves com o mínimo de leitura sobre ornitologia já teve contato com algum trabalho do Fernando. Desde que eu conheci o Ornitologia Brasileira, livro referência coordenado e atualizado pelo Fernando, começou minha admiração por seu trabalho.
Então poder sair a campo com o Mestre foi realmente um privilégio, porque, com certeza, o Fernando é como um Pelé, um cara que pela sua contribuição já faz parte da história da ornitologia brasileira. E ainda bate um bolão! Com entusiasmo, detecta as espécies mais sorrateiras, os sons menos audíveis e, nas horas vagas, tem sempre algo a ensinar. Aliás, o Fernando é um poço de cultura, e o mais importante, de humildade também. A humildade talvez seja a virtude que mais admiro em uma pessoa, aliás, sem ela, a convivência se torna insuportável.

Como quase toda expedição ornitológica, fomos com alguns objetivos em mente, ou melhor, em lista. Cerca de dez espécies constavam em nossas listas e só o macuquinho-da-várzea constava em ambas.

Eu não tive a mesma sorte do Fernando, não registrei nenhuma espécie da minha lista de lifers, já o Fernando conseguiu completar metade de sua lista de 10 espécies, sendo que eu tive o privilégio de apresentar a única delas que era lifer total para ele,  o recém "separado" Cinclodes espinhacensis, vulgo pedreiro-do-espinhaço, que, aliás, deveria se chamar pedreiro-do-cipó(em inglês, como sempre, mais apropriado, é conhecido como "Cipo Cinclodes") já que aparentemente só ocorre na serra do Cipó, sendo que esta é somente uma das serras que compõem a colossal Cadeia do Espinhaço.

Habitat do Cinclodes

A serra do Cipó por si só é gigante, para vasculharmos toda sua imensidão levaríamos meses! Por exemplo, o único ponto conhecido do Cinclodes é em Lapinha da Serra, um lugar que impressiona por sua beleza cênica.

Cientistas da UFMG que descobriram em 2008 e mais recentemente separaram esta espécie do seu congênere sulino, acreditam que o pedreiro-do-espinhaço possa estar em processo natural de extinção, pois até 2012 (ano da separação), só se conheciam indivíduos vivendo em uma área de 490 km quadrados (fonte: O Eco). É possível que ele ocorra em outros pontos do Cipó, mas a imensidão e geografia da serra é um dificultador e ao mesmo tempo um interessante desafio para ornitólogos e observadores.

Assim que chegamos às margens do grande lago, um toque no playback bastou para um casal aparecer. Como não usamos mais o playback pudemos observar por um bom tempo seu comportamento, forrageando no solo, muito mansamente, aquela raridade do Cipó:

Pedreiro do Cipó

Comecei pelo Cinclodes pois era o objetivo principal do Fernando e fiquei muito feliz em poder apresentá-lo.

Mas o primeiro local que visitamos foi a trilha da Mãe d'Água, um local que conheci há dois anos, nesta mesma época, e onde havia várias arnicas-do-campo em plena floração, o que atraiu uma quantidade incrível de Augastes, além de outras belíssimas espécies.

Não tivemos sorte com as arnicas, as flores já haviam secado, porém esta trilha realmente é top, registramos uma grande quantidade de espécies interessantes, muitas endêmicas do Cerrado e até uma bela surpresa:

Elaenia cristata
Neothraupis fasciata

Porphyrospiza caerulescens

Heliactin bilophus

Estávamos num cerrado rupestre, arriscamos o playback de Glaucidium pois o Fernando o havia escutado na pousada, então algo diferente respondeu em um arbusto, nem o Fernando reconheceu na hora. Estávamos distraídos com vários bichos que apareceram, quando de repente, o dono do misterioso apelo "dá as caras":

Antilophia galeata

O belíssimo soldadinho, bicho típico de matas de galeria, voando como uma Elaenia pelo Cerrado, foi um grande momento de nossa expedição.

Terceiro dia da expedição partimos para uma ótima área de campos naturais que conheço em Morro do Pilar, município vizinho à Santana do Riacho(onde estávamos), limite norte do PARNA Serra do Cipó.

Nosso objetivo principal era o raro e enigmático macuquinho-da-várzea (Scytalopus iraiensis). Mas quem conhece esse bicho sabe a dificuldade que é registrá-lo. Seu comportamento é comparado a de um ratinho, mas eu diria que ele é ainda mais esquivo. Minúsculo, emite seu curioso canto numa moita aos seus pés e é a única coisa que denuncia sua presença, pois não vemos nem uma folha se mexer, nem um movimento, nem um outro barulho. Um verdadeiro fantasminha, nada camarada para nós, fotógrafos.

Depois de algumas horas desistimos e partimos para espécies menos tímidas, aliás quem nos recebeu bem diferente do iraiensis foi o tico-tico-do-banhado (Donacospiza albifrons), que literalmente veio pra cima da gente.

Tico-tico-do-banhado


Outro bicho que encontramos bastante e sempre na esperança de ser o Emberizoides ypiranganus, foi o canário-do-campo (Emberizoides herbicola).

Canário-do-campo


Seguimos em busca de espécies de nossas listas, quando o Fernando vê a vegetação típica onde ocorre o ameaçado papa-moscas-do-campo (Culicivora caudacuta). Paramos o carro e não deu outra. Respondendo, como sempre, muito bem ao playback:

Papa-moscas-do-campo

Enquanto fotografávamos o pequeno tiranídeo, já faltando pouco tempo para nossa partida, eis que pousa a poucos metros da gente a jóia alada do espinhaço mineiro, o festejado Augastes scutatus.

Foi o único indivíduo que encontramos nos três dias de expedição. Ainda bem, pois nos despedir da serra do Cipó sem o Augastes em nossos cartões de memória seria um tanto frustrante.

De passagem, um Augastes

Ainda restava talvez uma hora para partirmos, então paramos em um local onde havia bons afloramentos rochosos na derradeira tentativa de encontrarmos o joão-cipó (Asthenes luizae), notável endemismo da região.

No dia anterior, tentamos ele num ponto onde o grande amigo Eduardo Franco, presidente da Ecoavis e que também trabalha como guia na região, gentilmente nos passou. Mas não obtivemos êxito.

Conheço outro local onde ele ocorre, numa RPPN, inclusive foi onde o registrei, mas é um bocado longe, demandando autorização e tempo de que não dispúnhamos nesta viagem.

Naquela última parada, também não encontramos o joão, mas o rabo-mole-da-serra deu mole e assim completamos as cinco espécies da lista "top ten" do Mestre Pacheco. Como lhe disse, é sempre bom termos ótimos motivos para voltar num lugar tão especial quanto a serra do Cipó.

Embernagra longicauda, localmente conhecido como dando-mole-da-serra

Só me resta agradecer ao grande Fernando Pacheco pelo aprendizado desta breve, porém excelente convivência.

3 comentários:

  1. Com uma homenagem dessas, posso dizer apenas que estou "docemente constrangido". O Pelé não precisa se sentir ameaçado, pois eu estou mais para um Perivaldo da Ornitologia! Eu é que agradeço, João. Pela chance de compartilhar cenários deslumbrantes, desencavar espécies notáveis e dividir as emoções típicas das pequenas descobertas de cada um dos dias. Acredite, você foi um anfitrião de luxo - que soube, acima de tudo, esbanjar empolgação em cada um dos achados que esta excursão permitiu. Forte abraço

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    1. Fernando, fico feliz por sua satisfação.
      Estes momentos em campo são tão raros, cada um se torna muito significativo e eu tenho é que controlar minha empolgação senão espanto todos passarinhos.
      Abração

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