quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Espinhaço Épico Parte I

O Espinhaço é a única cordilheira brasileira, se estende quase ininterrupto por cerca de 1000 km, da região de Ouro Preto, nas Alterosas, até a Chapada Diamantina, na Bahia. Li certa vez que é a cicatriz do nascimento do continente.

Já tive a oportunidade de explorar bem sua porção sul, morei muitos anos na região.
Notáveis endemismos como pedreiro-do-espinhaço, beija-flor-de-gravata-verde, lenheiro-da-serra-do-cipó já foram registrados nas minhas andanças principalmente pela serra do Cipó. Outras serras conhecidas que fazem parte da porção sul da cordilheira brasileira: serra do Caraça, do Rola Moça, da Moeda, de Ouro Branco, entre tantas outras.


Mas, ao norte da serra do Cipó, centenas de quilômetros de Espinhaço ainda ocultos esperavam para serem desbravados.

Espinhaço Sul


Aves e biomas desconhecidos sempre me despertaram interesse, sabia que um dia iria me aventurar naqueles ermos sertões.

Nosso primeiro destino foi a Chapada Diamantina, Espinhaço Norte. Buscávamos tesouros perdidos naquela pedregosa imensidão quase despovoada. 




Mas nosso ponto de partida foi Montes Claros/MG, onde encontrei com o grande ornitólogo, meu "irmão", o Wagner Nogueira. Tenho muito a agradecer ao Wagner, valeu demais meu velho!

Dali seguimos de carro, por quatorze horas, passando por diversos biomas e suas variantes fitofisionômicas rumo ao Espinhaço Norte, terra desconhecida não só pra mim, mas também para o Wagner.

Interessante como as paisagens mudavam com tanta facilidade. Mata Seca, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e suas variações formavam interessante mosaico. Não raramente podíamos vislumbrar mais de um bioma na mesma paisagem.

E dentre as várias paisagens impressionantes, não posso deixar de mencionar as florestas com grandes árvores que se formavam no alto de algumas serras. Li em algum lugar: Florestas de Altitude.

Tais formações só ocorriam no topo dos morros. Abaixo delas, formações abertas, ao contrário do que estava acostumado: campos rupestres e cerrado nas partes mais elevadas do terreno, e matas nos grotões. Essa é a formação costumeira no Espinhaço Sul.

Apesar de ser a mesma cordilheira, com muitos aspectos familiares, havia singularidades fantásticas, e claro, as mais notáveis para nós, as aves.

Assim como no Espinhaço Sul e Central(ambos na sua quase totalidade em território mineiro) temos nossa joia alada, o beija-flor-de-gravata-verde(Augastes scutatus), o Espinhaço Norte tem seu equivalente, o beija-flor-de-gravata-vermelha(Augastes lumachella).

Ambos ocupam o mesmo ecossistema, os campos rupestres, e estão entre as aves mais fantásticas de toda cordilheira do Espinhaço.

Augastes scutatus
Augastes lumachella jovem





















Outra ave fantástica, somente descrita pela ciência em 2007, em perigo de extinção e que só ocorre na Chapada Diamantina, é o papa-formiga-do-sincorá (Formicivora grantsaui).

Assim como o beija-flor-de-gravata-vermelha, esta espécie vive nos campos rupestres, a cerca de 1000 m de altitude, na serra de Sincorá, localizada na Chapada.

Para achá-la, o Wagner contou com ajuda do também ornitólogo Ciro Albano e do José Carlos, proprietário da pousada Casa da Geleia, em Lençóis, principal porta de entrada da Chapada Diamantina.

Aqui vale um parênteses: a Casa da Geleia é a melhor opção de hospedagem para birders na Chapada Diamantina, e digo isso não porque os donos, o casal José Carlos e Lia, nos recepcionou com tanto carinho, praticamente nos "obrigando" a almoçar com eles(que aliás estava sensacional), em nossa breve visita. Digo isso porque a pousada é totalmente voltada para birders: café às 4 da matina, biblioteca especializada, comedouros e bebedouros muito bem frequentados(destaque para o raríssimo Colibri delphinae que em determinada época do ano pode ser encontrado lá) e as valiosas dicas do experiente birder José Carlos, que conhece muito bem a avifauna local e está sempre muito bem informado, já que os principais ornitólogos e guias que visitam a região ficam em sua pousada e estão sempre atualizando informações sobre as espécies mais requisitadas.

Agradeço mais uma vez toda gentileza, meus amigos!
Foto:Wagner Nogueira



As aves não só encontram alimento na pousada, mas também um balneário de água corrente e límpida
Asa-de-telha-pálido(Agelaioides fringillarius), um lifer na nossa breve visita

Ah, e não deixem de experimentar as deliciosas geleias da Lia, heim?! Uma melhor que a outra, tem até uma de pimenta que é de fazer chorar, literalmente, né Lia? rs

Bem, a vontade era de ficar, o papo tava ótimo, mas além do Formicivora, ainda tínhamos centenas de quilômetros desconhecidos pela frente, até nosso próximo destino, o município baiano de Caetité.

Então, há poucos quilômetros da despedida, paramos no ponto indicado e não demorou muito para encontrarmos o endêmico papa-formiga-do-sincorá.

O lugar é muito tranquilo, do lado da estrada que era nosso caminho para Caetité.

Foi só acionar o playback que uma fêmea veio pra cima. Incrível como se aproximou, não se incomodando com nossa presença. E, ao contrário do que estamos acostumados a ver, o macho ficou mais distante, na brenha, enquanto a fêmea procurava o intruso. Nada machista a sociedade deles...

A fêmea só faltou pousar na gente

Um dos raros momentos que o macho "saiu no limpo"

Digno de menção foi o avistamento, infelizmente sem documentação, nas primeiras luzes do dia 05/09/15, de um mocho-dos-banhados (Asio flammeus) forrageando num campo próximo à BR 242. No Wikiaves, em todo Nordeste, há somente dois registros desta espécie, no oeste baiano.

Um lugar que também não posso deixar de citar é a localidade de Igatu. Passamos por essa pitoresquíssima vila já à noite, onde fizemos uma breve parada para jantar.

Localizada na Chapada Diamantina, Igatu é uma pequena vila literalmente incrustada na serra.

A arquitetura peculiar nos faz sentir dentro de um filme, parece que duendes e gnomos são os habitantes daquele lugar.

Casas e ruas de pedras, sobre pedras. Assim se apresenta Igatu ao visitante. Difícil saber onde termina a obra de Deus e começa a do homem.

Flores e plantas nativas ajudam a compor a paisagem lítica que, encurtada pela escuridão da noite, nos instiga a imaginação.

Um dia volto, sem a limitação da luz, para vislumbrar uma provável e imponente serra, a emoldurar aquele fantástico cenário.

Alguns outros registros realizados na nossa breve passagem pela Chapada Diamantina:

Chorozinho-da-caatinga

Pica-pau-anão-pintado

Thamnophilus caerulescens ochraceiventer
Provavelmente trata-se de nova sp

A última cena que vimos antes de começarmos a descer a Chapada e adentrarmos a Caatinga foi a mais magnífica de toda viagem: as famosas "mesas", colossais formações geológicas que nos remetem a eras passadas. Isso sim um irresistível portal de "volte sempre"!


E não vimos praticamente nada...

Chapada Diamantina, um tesouro!
Foto: Wagner Nogueira

A saga continua...

6 comentários:

  1. Bacana foi essa exploração latitudinal, ao longo do Espinhaço, relatada em capítulos. Dupla da pesada, Wagner & João. Dá gosto de apreciar essas imagens recolhidas na saga. Abraços

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    1. Obrigado Mestre! Mas sou peso pena perto do Wagner.rs Quem me dera se tivesse pelo menos um décimo de sua capacidade de identificar as aves.
      A próxima parada: Caetité, Mata Seca, no planalto que separa o Espinhaço Norte do Central.

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  2. Que maravilha João Sérgio, parabéns! Belo texto e excelente história. Lindas aves, uma pena não ter registrado o mocho-dos-banhados. São belas naturais como essas que nos enchem de orgulho do nosso país!

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    1. Obrigado Cristiano! Vindo de vc é um grande elogio, seu blog é top: http://www.avesarvores.com.br/

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  3. Parabéns João e Wágner, expediçoes como esta, nos enche de entusiasmo para aprendermos cada vez mais e um dia podermos desfrutar de tal satisfação. Viajamos juntos e nos emocionamos com o excelente relato dos fatos!!

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