segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Carnaves 2016

Ave!

Este ano tive oportunidade de aproveitar o melhor Carnaval do mundo(aliás o único que ainda tenho disposição de frequentar), o da minha querida cidade, Rio Piracicaba/MG. Nada de multidões, confusões, só alegria compartilhada entre familiares e amigos. E claro, como não poderia ser diferente(e que me perdoem os amigos foliões), em duas oportunidades estávamos lá, eu e meu fiel companheiro tio Maninho Camarão, o Timá, às 3 da matina, acordando (enquanto os súditos do Rei Momo se retiravam)para dois "bate-e-volta" muito esperados.

O primeiro, uma visita ao precioso Parque Estadual do Rio Doce(PERD) com os amigos Henrique Junior e Thiago Franco, com a possibilidade de uma esticada até a gloriosa Iapu do Leandro Moreira.

O PERD é verdadeiramente um tesouro, trinta e tantos mil hectares de mata de baixada, a variante mais ameaçada da Mata Atlântica. Só conheço outro remanescente de grande porte deste tipo de mata, localizado em Sooretama/Linhares, no ES. Não por acaso só temos registros recentes do raríssimo e enigmático Neomorphus geoffroyi dulcis nestas duas localidades.

Sempre que estou no PERD tenho aquela ótima sensação de que tudo pode acontecer.

Bem, desde que descobriram o raro e ameaçado fruxu-baiano(Neopelma aurifrons), nas matas primárias do PERD, fiquei com aquela vontade de ir lá conferir. Então entrei em contato com os amigos Celso de Castro e Henrique Junior, que conhecem tudo na região. Infelizmente o Celso viajaria no Carnaval, mas o Henrique não, e gentilmente se colocou à disposição para me apresentar a raridade. O grande Thiago Franco se juntou à expedição e lá fomos nós!

Adentramos o Parque pela estrada da ponte queimada, ouvidos e olhos atentos. Mata primária não tem muito bicho, ao contrário do que podemos imaginar, mata em regeneração tem mais quantidade, mas estávamos procurando "qualidade" e isso só uma mata primária imensa como a do PERD pode nos proporcionar. O PERD é praticamente o último refúgio de várias aves mais exigentes, "de baixada", em Minas Gerais.


Não demorou para o Henrique, que conhece muito bem as aves de lá, nos alertar sobre a presença próxima de papagaios-moleiros(Amazona farinosa), espécie considerada a maior do gênero.

Este grande e arisco papagaio vive nas copas de florestas densas, sendo mais encontrado na Amazônia, já que na Mata Atlântica, além da perseguição do tráfico, restam poucas matas grandes o suficiente para a perpetuação da espécie.


O único registro que tinha deste papagaio feito em 2013, Linhares/ES


Tentamos detectá-lo nas altas copas mas sua camuflagem mais uma vez funcionou perfeitamente. Então o Henrique acionou o playback e logo um papagaio-moleiro pousou em cima da gente e começou um desfile nota DEZ, apresentando seus mais belos adereços de forma suntuosa. Não trocaria esta breve apresentação por uma noite em claro na Sapucaí.







Foi um abre-alas nota DEZ!

Então seguimos adentrando a mata do Parque até que nosso guia, o Henrique, pediu pra parar: parô!

Bando misto! Ala diversificada com vários e diferentes componentes que desfilam pela mata esbanjando simpatia, em reluzentes e coloridos trajes.

Bando misto é assim, se a gente quiser algum registro legal tem que focar, senão fica só no deslumbre de ficar procurando bicho. E focamos numa espécie das mais interessantes que compunham o bando e que, conforme o Wikiaves, em Minas, o PERD é seu único refúgio, o caneleiro-bordado(Pachyramphus marginatus).


Caneleiro-bordado fêmea


Outro "tesouro perdiano" que pintou foi o beija-flor-safira(Hylocharis sapphirina).


Em MG só há registros na região do PERD (Wikiaves)

Bem, também haviam lifers: a choquinha-chumbo e o fruxu-baiano.

O fruxu foi muito tranquilo... chegamos em seu território, mata primária, alta, onde já havia estado uma vez com o próprio Timá e escutado o esturro de uma onça-pintada. Respondeu muito bem ao playback e sem explorarmos da sua boa vontade deixamos, felizes, nosso recém conhecido amigo emplumado.


O raro fruxu-baiano

Já a choquinha-chumbo, também rara e ameaçada, no PERD é localmente comum, achamos várias delas ao longo do caminho percorrido, mas tímida, não quis saber de se exibir e o máximo que consegui foi uma daquelas "fotos de lifer".

Choquinha-chumbo lá nas alturas


Depois de muita folia, acabou-se a manhã e no caminho de volta, eis que o Henrique me dá a boa notícia: o Leandro Moreira, que até então iria trabalhar o dia inteiro naquela segunda de Carnaval, acabara de ligar avisando que estaria liberado depois do almoço. Perguntei pra Timá sobre sua disposição e apesar de exaustos pelo excesso de calor, mosquitos e poucas horas de sono, resolvemos pegar mais algumas dezenas de quilômetros e enfim conhecer a famosa anhuma do Leandro.

Despedimos dos amigos Henrique Junior e Thiago Franco, agradecendo-os pela grande oportunidade proporcionada e partimos para terras nunca dantes navegadas.

Chegamos na pitoresca Iapu e quando já estávamos terminando de almoçar na praça que era nosso ponto de encontro, o Leandro aparece e facilmente nos identifica pela indumentária pouco usual mesmo para o Carnaval.

Gente finíssima o Leandro, nos contou sua história interessantíssima. Graças àquele par de anhumas, que surpreendentemente adotou seu "quintal" para viver o ano inteiro, o Leandro virou um birder. Não é pra menos mesmo, a anhuma é uma espécie extraordinária, ave migratória de grande porte, verdadeiro unicórnio, cujo "chifre", conforme está no Wikiaves, chega a 12 cm de comprimento.

O Leandro não mediu esforços para nos apresentá-las. E para dar aquele "tempero", só as encontrou no último lugar onde costumam ficar. Saímos então em disparada! No caminho ainda tive o prazer de conhecer seu pai que estava trabalhando próximo ao local. A poucos metros dali, num brejo, lá estavam elas! E para minha alegria, não só um par, mas uma bela família!

Foi a primeira reprodução observada desde que o Leandro descobriu a espécie no local, há mais de três anos. Ao que tudo indica, aquele par de anhumas resolveu fixar mesmo o território ali o ano todo, contrariando seus hábitos migratórios.

Família de Anhima cornuta


O filhotão só é denunciado pelo chifre (um tal de espículo córneo) menor, o indivíduo do meio creio se tratar do macho. Contemplando esta foto, fico imaginando como ele faz para se alimentar com este adorno que, diga-se de passagem, é nota DEZ em originalidade.

Ainda fui agraciado com uma pena de anhuma, que já está devidamente instalada ao lado de uma outra que tenho de harpia.

Gostaria de agradecer ao grande Leandro, "o cara" da anhuma, por tudo! Muito obrigado meu amigo!


Dois dias depois, lá estávamos nós de novo, de pé às três da matina para chegar ainda em boa hora ao nosso destino, a serra da Gandarela.

Assim conhecemos a serra da Gandarela


Desde que soube da luta para se criar o Parque Nacional da Serra da Gandarela tive vontade de conhecê-la. Demorou alguns anos, apesar da pouca distância de minha cidade. Aproveito aqui para agradecer ao amigo e ornitólogo itabirano Juliano Silva, que já trabalhou na Gandarela e conhece como poucos as aves da nossa região, a oportunidade de conhecer aquele paraíso.

Timá e Juliano contemplando a sensacional serra da Gandarela

O PARNA da Serra da Gandarela, juntamente com outras reservas contíguas, como a RPPN do Caraça e a Floresta Estadual de Uaimii, formam o segundo maior continuum de Mata Atlântica do Estado, ficando atrás só do PERD, além de proteger um dos biomas mais ameaçados do mundo (ainda mais ameaçado que a Mata Atlântica), a Canga Ferruginosa.

Mas, infelizmente, interesses privados conseguiram retirar uma área estratégica para a natureza (onde se formam várias nascentes, p. ex.), da área original do Parque, definida pelos próprios técnicos do ICMBIO. Com só um objetivo, explorar o subsolo, até esgotar toda a água, toda a vida.

Não consigo entender como que é possível, em plena crise hídrica, um trem desses! Como disse uma sertaneja muito simples e sábia, ontem na TV: o homem consegue fazer tudo, menos água.

Bem, foram quase três quilômetros descendo uma parte florestada da serra e, claro, subindo também. E apesar dos mais de 1300 metros de altitude, o calor estava sufocante, principalmente na subida. Aliás, parece que o calor, somado a um provável descanso reprodutivo de algumas espécies, deixou a floresta um tanto silenciosa, mas mesmo assim, com sua expertise, o Juliano contabilizou mais de 70 naquela manhã, inclusive uma nova para o município de Santa Bárbara(uma das cidades abrangidas pela Gandarela) no Wikiaves: o vira-folha(Sclerurus scansor), que aliás, mais uma vez, não deu mole para fotos.

Mas, na minha opinião, o ponto alto desta breve visita foi o encontro com o topetinho-vermelho(Lophornis magnificus), o menor e um dos mais belos beija-flores brasileiros, espécie que sempre quis encontrar na nossa região, onde é muito raro, contando com pouquíssimos registros.

Jovem fêmea detectada pelo Juliano na copa de uma árvore
Se alguém souber do que ela está se alimentando... 


É isto, mais uma vez agradeço aos amigos que fizeram do Carnaves 2016 um evento DEZ, nota DEZ!!!

6 comentários:

  1. Grande relato e com certeza, meu amigo, Carnaval assim vale a pena. Estou contigo em todos os sentidos. Me desculpe não ter te retornado o telefonema de ontem à tardinha... Estava na correria e cheguei em casa muito tarde. Como hoje estou indo ao médico, assim que tiver notícias mais consistentes te retorno.
    No mais, muito obrigado por nos brindar com seus relatos, fotos e com todo carinho à nossa pessoa!
    Grande abraço e vida longa! :))
    Carlos

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  2. Muito bom seu relato João e vc tem toda razão o PERD é verdadeiramente um tesouro.
    ab

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