segunda-feira, 2 de maio de 2016

Mantiqueira das tovacas e do bacurau gigante

Ave amigos!

Mal havia desfeito as malas da Bahia pintou uma oportunidade imperdível de registrar as duas tovacas da Mata Atlântica que me faltavam.

A tovaca-de-rabo-vermelho (Chamaeza ruficauda), a "charmosa" do amigo e excelente guia Thiago Carneiro de Campos do Jordão, cidade mais alta do Brasil, cuja sede fica a 1.628 metros e que eu ainda não conhecia. E a tovaca-cantadora (Chamaeza meruloides) que o também amigo e excelente guia Hudson Martins "encantou" e que agora é a tovaca encantadora. Pensa num bicho manso...

As tovacas são daquelas espécies que a gente só consegue ouvir na floresta, às vezes ouvimos tão perto mas não conseguimos ver nada, nem sequer o mato mexendo. Por isso as considero uns fantasminhas de nossas matas. E quem não deseja ver um? Pelo menos no meu caso, quanto mais difícil a espécie, mais tenho interesse, e além do mais as tovacas são interessantíssimas, além de belas. O pouco conhecimento da biologia dessas espécies muito difíceis de visualizar também é um ingrediente que dá um tempero a mais à sua observação.

Em Campos do Jordão temos esta bela vista do vale do Paraíba 
Foto: Thiago Carneiro


Primeiro destino: Campos do Jordão, cidade muito pitoresca, cercada de araucárias e da mais bela das fitofisionomias da Mata Atlântica, a Mata Nebular, além dos belos campos de altitude em seus pontos mais altos.

A princípio o que me atraiu foi a "Charmosa", mas quando pesquisei as espécies que ocorriam no município deparei-me com o incrível bacurau-tesoura-gigante (Hydropsalis forcipata). Vi que havia vários registros no Wikiaves então também fiquei muito animado com a possibilidade de encontrar aquela extraordinária ave.

Uma boa dica para quem vai a Campos do Jordão é se hospedar no chalé do birder Rodrigo Popiel. Em meio a mata, cercado de comedouros, fui acordado por falcão-caburé (há pelo menos três nas redondezas), dormi ao som da coruja-listrada e recebi a visita de um bando de tucanos-de-bico-verde (e olha que fiquei muito pouco tempo no chalé). Recomendo!!!

Foto feita da varanda do chalé

Após ser literalmente acordado pelo Micrastur, bora pro mato! O Thiago é dos meus, como ele mesmo diz, tem sangue nos olhos! Com ele não tem tempo ruim e conhece tudo na região, além de ser super profissional, também impossível não recomendar.

Foram muitos lifers e melhorei meu registro de outras aves que eu desejava, o Thiago mandou muito bem, nota mil!

Caminheiro-de-barriga-acanelada/lifer

Caneleirinho-de-chapéu-preto/meu melhor registro dessa formidável sp

Cuiú-cuiú/lifer

Fruxu/meu melhor registro da sp


João-botina-do-brejo/lifer e acredito que não consiga fazer nada melhor que isso

Teve também o catraca, outro lifer, e único que a foto deixou a desejar. Thiago me levou em vários pontos do bicho. Em uma única ocasião um catraca até colaborou mas não o tempo suficiente para eu conseguir fotografá-lo. Em compensação, este joão-botina-do-brejo (outro tinhoso), deve ser amigo do Thiago.

Então fomos à procura da "Charmosa", a tovaca-de-rabo-vermelho que definitivamente conhece o Thiago e acredito que até reconheça sua voz.

Não tardou em aparecer sorrateiramente, sem aviso prévio. Aliás, os espíritos da floresta têm esse poder, de se materializar ao seu bel prazer. Mas só pra quem merece...


Uma visão
https://www.youtube.com/watch?v=ezgwYCRfqCU

Depois do maior espetáculo, a maior "caçada", e não só da viagem, mas de mais de 6 anos caçando bicho por aí.

Disse pro Thiago que seria impossível transcrever a emoção de tentar fotografar um dos bichos mais extraordinários que já vi. De fato, só um talentoso poeta.

Aos fatos então: depois de um dia inteiro passarinhando, fomos a uma estrada onde é o melhor lugar para encontrar o bacurau-tesoura-gigante em Campos do Jordão. Mas não nesse dia.

Eu já estava exausto e o estômago ronronava. Após subir e descer a tal estrada sem sucesso, resolvemos partir para o plano B, que o Thiago sempre tem na manga.

Mais de 20 km depois, começamos a subir uma outra estrada onde os bacuraus costumam ficar empoleirados nos mourões de cerca, deixando pendente sua "tesoura gigante", o que com certeza renderia fotos muito legais.

Chegando no segundo ponto, fomos observando os mourões e nada do bicho, até que no último momento, quando o cansaço também já era gigante e minhas esperanças já estavam por um fio, vimos um ente quase fantasmagórico sobrevoando a estrada.

Essa história tá até parecendo dia das bruxas, mas a cena realmente remete:


A empolgação era tanta que não sobrou espaço para cansaço nem fome. A partir de então começou um trabalho em equipe que durou mais de hora. O Thiago manejando a lanterna e o playback, e eu tentando acertar o foco manualmente.

Eram três! Dois machos e uma fêmea que provavelmente se alimentavam de insetos atraídos por um holofote dentro de uma mansão. Eles iam e vinham, de tempos em tempos, sobrevoando a estrada onde estávamos, ora sumindo por trás da mata, ora por trás da muralha da grande casa. Tínhamos pouco campo de visão, ainda mais restrito devido ao holofote que nos cegava. Então ficávamos na esperança que eles passassem mais e mais vezes até que o tiro certeiro eternizasse aquele momento, através de uma foto focada.

Foram vários disparos e só paramos porque os bichos ficaram um bom tempo sem reaparecer. Apesar de não conseguir a foto que queria, fiquei satisfeito com o resultado.

Com certeza repetirei essa caçada e a motivação principal nem é conseguir a foto desejada.




Durante a caçada aos tesouras-gigantes, eis que uma rasga-mortalha corta os céus levando sua presa ainda viva!

Essa foi com um único disparo, mas como o voo é mais lento, tive mais chances

Voltando pra casa, uma corujinha-do-mato ainda pousa à beira da estrada. E olha que nem corujamos!



Finalizo esse meu primeiro destino na serra da Mantiqueira com mais um amigo que as aves me trouxeram. Muito obrigado por tudo, Thiago!


Parti Penedo, casa da minha queridíssima amiga Márcia Cunha de Carvalho, que apesar de fortemente resfriada, foi aquela deliciosa companhia de sempre. Uma pena só não podermos passarinhar, mas quem tem um quintal como o seu, não precisa sair de casa para tanto.

Beija-flor-tesoura

Ferro-velho X Beija-flor-tesoura
Querida Márcia, muito obrigado pela recepção carinhosa de sempre! Mês que vem a Floresta Encantada que nos aguarde!

E por fim, a tovaca encantada do Hudson! Coincidentemente o Fábio Giordano, colega ecoaviano que eu ainda não conhecia, estava sendo guiado neste dia pelo Hudson. E sabe o que aconteceu com o Fábio? A tovaca-cantadora passou debaixo da perna dele!!! E olha que ainda por cima ele estava agachado heim?!!! Dei muita risada! O bicho parece que está até domesticado de tão manso!

O Hudson está fazendo um belo trabalho na região das Agulhas Negras e está com o ouvido afiadíssimo, recomendo demais também!

Tovaca-cantadora
Deixo aqui um grande abraço em todos os amigos, antigos e novos, que revi e fiz nessa viagem.

4 comentários:

  1. João e seus posts encantadores. Dá sempre a vontade de ter estado lá, junto com ele.
    Fantástico, João, e que fotos!

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  2. Simplesmente sensacional João, parabéns. Fotos maravilhosas como sempre. Abração.

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