sábado, 16 de julho de 2016

Caça-fantasmas

Nas nossas florestas há seres invisíveis que só se denunciam por seus cantos mágicos. Tais seres são como fantasmas. Assombram-nos pela dificuldade em registrá-los. Povoam nossos melhores sonhos com aparições ideais. Mas não há nada que façamos que os materialize como sonhamos, geralmente só ouvimos seus pios ecoando nas nossas melhores matas, no máximo conseguimos uma observação de relance em que mal entendemos o que estamos vendo.

A evolução os levou a este modo de vida. Embora possuam a incrível capacidade de voar, preferem o chão escuro das florestas, onde astutos predadores de toda sorte: de pelos, penas e sangue frio, se especializaram em caçá-los. Eles se escondem de tudo que possua visão binocular, aquela típica dos predadores. E nós fazemos parte desse grupo.

Só há uma forma garantida de conseguirmos boas chances de fotografá-los: quebrando essa relação presa/predador. E isto demanda conhecimento, tempo, paciência, trabalho e respeito. Além de florestas preservadas, pois tais espécies são exigentes, ecologicamente falando.

No Brasil, tais condições especiais são raras, e fomos atrás delas, eu e um grande amigo, o Professor Gabriel Mello, grande fotógrafo e coautor do primeiro guia de aves com fotos do Brasil. O Gabriel também foi à caça desses fantasmas para seu próximo livro, que com certeza superará o primeiro(que já é excelente).

Nosso primeiro destino, a fantástica Trilha dos Tucanos, destino obrigatório para birders e amantes da natureza, onde o casal Marco e Patrícia fazem um trabalho espetacular, reunindo os predicados necessários para nos revelar alguns dos "fantasmas" mais cobiçados pelos fotógrafos de natureza.

Graças aos novos amigos Marco e Patrícia, é com extrema satisfação que apresento aos senhores alguns destes espíritos da floresta:


Juriti-gemedeira


Uru

Tovacuçu, bicho dos mais invisíveis que conheço


A Trilha dos Tucanos não só nos revela fantasmas, mas também outras maravilhas de nossa fauna, na intimidade que só comedouros e bebedouros muitíssimo bem frequentados podem proporcionar:


Araçari-poca




Araçaris-banana



Tucano-de-bico-verde


Irara



Pica-pau-de-cabeça-amarela, conhecido localmente como Ana Maria Braga

Beija-flor-rubi


Tecelões

Saíra-sete-cores

Saíras, sanhaçus, tiês, catirumbavas, periquitos, tietingas, tecelões, pimentões, pica-paus, beija-flores, passarinhos aos montes. Comedouros e bebedouros disputados o dia inteiro! À noite também tem movimento, pacas costumam frequentar as cevas. Nas trilhas, antas têm hora marcada na madrugada fria e pumas já foram registrados em armadilhas fotográficas.

Havia também uma cerejeira que para nossa sorte estava florida, palco enfeitado de um verdadeiro frenesi alimentar:


Saí-azul

Topetinho-verde fêmea

Ao lado da cerejeira, este belo lifer, o sanhaçu-pardo, deu um raro mole


Mas não é tudo pessoal. Outra grande atração da Trilha é a grande quantidade de palmitos-juçara em torno da sede e dos aposentos. Os frutos desta espécie de palmeira ameaçada de extinção atraem inúmeras espécies que por sua vez são dispersoras de suas sementes. A mais famosa talvez seja a jacutinga. Bela e também muito ameaçada, não deu as caras. A maioria dos frutos que achamos ainda não estavam totalmente maduros, mas mesmo assim encontramos dois pavós que procuravam alimento nas juçaras e que nos proporcionou um dos momentos mais emocionantes da viagem.

Pavó, o maior passarinho brasileiro


Outro momento também muito legal, daqueles que só a imprevisibilidade pode nos proporcionar, foi o casal de sabiás-cica encontrado pela Patrícia bem ao lado do nosso chalé.

Saio do chalé ainda sonolento, depois de uma necessária sesta depois do almoço, quando vejo a galera com suas teles apontadas pra cima da minha cabeça. OPA! Acordei de vez!

Demorou mas achei pelo menos a fêmea antes do casal partir.

Fêmea de sabiá-cica, um dos psitacídeos mais interessantes, confunde-se facilmente com a vegetação

Teve ainda outro grande lifer, o raríssimo pica-pau-de-cara-canela que achamos muito longe, o que não possibilitou um registro a altura de sua beleza, e o anambezinho, outro que vive no alto das árvores mais altas, também não rolou boas fotos, mas encontrá-lo é sempre muito legal.

Para terminar essa viagem pela Trilha dos Tucanos, parabenizo mais uma vez e agradeço imensamente o casal Marco e Patrícia por manterem este paraíso e nos proporcionar vários momentos inesquecíveis que infelizmente não cabem em um post.

Gostaria também de deixar um grande abraço a duas famílias de passarinheiros que compartilharam com a gente momentos especiais, os Goulart de Brasília e os Bianchini de Piraju. É muito legal ver famílias inteiras unidas, curtindo a inigualável "caçada" moderna às aves. Foi um imenso prazer conhecê-los, amigos!

Com aquele gostinho de quero mais, os caça-fantasmas partiram para a próxima missão, nada pouco ambiciosa por sinal.

Paisagem da Trilha dos Tucanos


O sempre bem informado Gabriel sabia que um ser vivente das trevas havia escolhido uma árvore dentro da cidade de Taubaté para passar o dia. Com a ajuda do grande Marco Cruz, a quem agradeço imensamente a fundamental ajuda, descobrimos a tal árvore. Mas, para o nosso azar, o grande Mocho-diabo não estava lá. O Marco nos contou que desde que ele foi descoberto ali, há cerca de um mês, em outros dois dias ele também não dormira naquela árvore, o que nos deixou confiantes para o dia seguinte, quando passaríamos em Taubaté novamente rumo às nossas casas.

O Marco ainda gentilmente ficou de nos informar se o mocho-diabo estaria lá no dia seguinte e assim nos despedimos, rumo à pousada Oikos do grande Josiel Briet.

Chegamos já noite e depois de tentarmos o murucututu(isso mesmo, P. perspicillata), que o Josiel nos disse que viu e escutou há uma semana e nos deliciarmos com uma boa comidinha caseira, fomos dormir, exaustos.

Último dia de viagem e cheios de esperança, partimos para o primeiro fantasma do dia, a sanã-vermelha. Não demorou muito e pudemos ver até duas fora da intransponível vegetação em que elas vivem.

Sanã-vermelha, graças ao louvável trabalho do Josiel


Felizes partimos confiantes para o fantasma que, como o tovacuçu, é um dos mais tinhosos e também um dos que mais queria fotografar:

Pinto-do-mato, deu mais trabalho que a sanã e proporcionou o momento mais sensacional da viagem

Bem amigos, para não me estender demais tive que omitir encontros e passagens muito legais dessa viagem, mas podem crer, cada bicho teve sua história, alguns até com lances SHAZAM!

E ainda havia o mocho-diabo! E como se não bastasse, o mocho estava lá! O Marco Cruz havia nos dado a boa notícia. Então mais do que satisfeitos, nos despedimos do Josiel, agradecidos pela oportunidade de fotografar duas de nossas aves mais difíceis. Amigos, fica a dica então! Sanã-vermelha e pinto-do-mato, com tanta facilidade, acredito que só com o grande Josiel.

Na pousada Oikos do grande Josiel Briet
Foto: Josiel Briet


Já em Taubaté, lá estava ele, um "monstro"! Acho que o mocho-diabo só perde em tamanho pro jacurutu, a maior coruja das Américas. Que bicho bruto! E louco! Assim termino esse post, com a imagem dele, "el mocho diablo", que junto com o pinto-do-mato, fechou com chave de ouro essa viagem.