quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Balneário Praia Grande

Juntou a fome com a vontade de comer!

Meu filhote, no alto de seus 6 anos, querendo iniciar-se no camping e meu desejo de passarinhar num lugar que o amigo Gabriel Mello indicou na querida Pirenópolis, em Goiás.

O local é uma fazenda que há décadas pertence à família do simpático Nirlen, um jovem senhor que se orgulha em manter vivo o nosso sofrido Cerrado. Só isso já seria digno de nossa mais profunda admiração, mas o nosso mais novo amigo, o Seu João (um de seus apelidos que nós adotamos), não só se preocupa com a preservação do Cerrado como também fala com muita intimidade das aves que ocorrem no Balneário Praia Grande. Assim é conhecido seu atrativo. Uma área de camping com belas piscinas naturais, cercada por uma exuberante mata ciliar.

A propriedade de 77 hectares está inserida numa região ainda bem preservada do sertão goiano. O rio das Almas, desde sua nascente, não conhece qualquer tipo de dejeto humano até chegar ao Balneário. Suas águas nos convidam a algo praticamente impossível nos dias de hoje, sorvê-las deseducadamente, sem nenhum tratamento.

Sobre o rio das Almas uma gameleira de 250 anos

Apesar de estarmos no período das férias, éramos os únicos a desfrutar de toda aquela natureza. Seu João nos disse que não faz propaganda, tem um público seleto que faz o famoso e eficaz boca-a-boca. Assim consegue manter aquele pedacinho do paraíso da melhor forma, com o mínimo impacto possível.

A rusticidade e a natureza do local nos integram de tal maneira que saímos de lá com a alma lavada. Parece que a vida fica mais leve. Com certeza é um lugar onde conseguimos recarregar nossas energias.

Durante buscas ao socó-boi-escuro


Bem, falemos dos bichos. O local abriga um ninho do raro socó-boi-escuro. Apesar de não estar ativo, havia uma grande esperança em encontrar o precioso ardeídeo. Clarinha e eu fomos até a cachoeira Renascer, onde ele costuma ser encontrado, conforme relato do Seu João.

No caminho um bicho grande saiu voando da beira do rio até uma árvore! Só o percebi rapidamente em voo, a copa o encobriu. Será que era ele?! Falei com a Clarinha que tinha tudo para ser o socó, mas a breve visão que tive do shape estava mais para um rapinante.

O coração a mil, as pernas vacilantes e os olhos atentos enfim descobrem um belo gavião-pernilongo

Clarinha e a cachoeira, beleza pura...


O socó-boi-escuro ficou para uma próxima, o lifer da viagem foi mesmo um fantasma do Cerrado.

Dominando a paisagem sonora crepuscular, tive a satisfação em ouvi-lo e a frustração de não fotografá-lo, em 2013, no Pantanal. A bem da verdade, praticamente não o tentamos, a profusão de bichos não nos permitia perder tanto tempo com uma só espécie (ainda mais com tão ampla distribuição).

Apesar de pensar o contrário, não foi tão difícil registrá-lo no Balneário. Na segunda tentativa e depois de alguns minutos de playback, o bicho atravessou a estrada com relativa calma. Que sensação boa...

Jaó, uma das vozes mais marcantes do sertão

Digno de nota também foi nosso encontro com a magnífica águia-cinzenta. A segunda maior águia do Brasil está em perigo de extinção e estima-se que hajam poucas centenas em vida livre. Vive em áreas abertas do Brasil e de outros países fronteiriços. Imaginem a sorte que é então encontrar um bicho desses pousado na beira de uma estrada. Há 30 anos, sempre que estou viajando, fico atento, alimentando a esperança de ter essa sorte. E foi justamente indo para o paraíso do sr. Nirlen que ela sorriu pra mim.

Estávamos no Km 80 da BR 040, já em território goiano. A estrada era duplicada, minha esposa estava dirigindo quando vi um bichão pousado numa grande torre. Adrenalizado, fiquei de olho para ter a certeza de que era ela, para que valesse a pena arrumar um retorno. Quando vi o penacho não tive mais dúvidas, retornamos o mais rápido possível.




Com sua índole fleumática, não se importou com nossa presença. Fiquei muito feliz não só por reencontrar essa que é uma das minhas espécies favoritas, mas principalmente por apresentá-la à minha família (mesmo percebendo que eles não possuíam um pentelésimo da minha empolgação kkk).




Voltando para o Balneário Praia Grande, tenho que fazer coro com o Gabriel, é um lugar com grande potencial para o birdwatching! E também um ótimo lugar para quem deseja fazer um camping privado, mas o mais selvagem possível (era exatamente o que estava procurando para o meu filho).

Lembrando que fui com minha família (todos adoraram) e portanto as passarinhadas ficaram em segundo plano, mesmo assim rolou vários registros interessantes:

A presença constante e marcante do bico-de-brasa na área de camping é perene alegria para nós, observadores encantados com seus elegantes voos, pousos à meia altura e com sua intrigante vocalização. Foram nossos únicos vizinhos nos três dias acampados. Tanto aqui no Rio, quanto em Pirenópolis, tenho uma vizinhança nota dez!

Bico-de-brasa ou chora-chuva-preto


O canto metálico - cancã - prenuncia outra figura marcante da área de camping. As belas rapineiras dos incautos campistas chegam em bando e agem sem cerimônias.

Bastou um minuto de desatenção para as gralhas-cancãs investirem no queijo, amendoins e bananas, chegando a rasgar o invólucro do queijo e dos amendoins para pilhá-los (melhor elas que os macacos-prego, que de vez em quando aparecem no camping, mas somente atrás dos frutos das árvores que nos fornecem sombra e embelezam o lugar).

O que sobrou do queijo dei para o Faminto (um dos cães de guarda do camping) e o que sobrou das bananas coloquei sobre o telhado do local onde deixávamos alguns mantimentos, mesmo local onde as gralhas nos saquearam, na esperança delas continuarem se alimentando das frutas. Contudo, para minha surpresa, elas ignoraram as bananas e continuavam com seu intuito criminoso, mas dessa vez sem sucesso, pois já havíamos tomado as devidas precauções. Tal interação já é divertida para um marmanjo como eu, imagina para meu filhote. Com certeza esse camping será inesquecível para ele!

A face de um celerado

Outra atração do local é o fantástico udu-de-coroa-azul, que inclusive tem hora marcada. Por volta das 18 horas ele aparece no restaurante para jantar. Mesmo sendo um convidado especial, mantem sua característica discrição. O que tem de lindo, não tem de exibido.

ISO alto e superexposição para tirá-lo do seu lugar favorito, as sombras da mata

Outra estrela do Balneário (mas que não tem hora marcada e nem estava atendendo ao seu chamado) é candidato a ave mais bela do Cerrado.

Estava conversando com Seu João enquanto ele arrumava nosso chuveiro quando notou uma movimentação próxima. Sem sinal de nada, no Balneário Praia Grande nos conectamos à natureza e compartilhamos euforia. Imaginem ver um uirapuru-laranja enquanto tomamos banho!



No mesmo lugar, sobre os chuveiros, o anambé-branco-de-rabo-preto aparecia com certa frequência.



A maria-ferrugem também é figura frequente nas trilhas.



Um dos habitantes mais belos (e de personalidade forte) que encontramos com certa frequência foi o pica-pau-de-topete-vermelho. As fotos dessa viagem que mais gostei foram a dele e a da próxima espécie.



A espécie que encontrei que mais me surpreendeu foi a pomba-trocal. A única foto que tinha desse bicho fiz na Hiléia Baiana, a quilômetros de distância. Não sabia que ela ocorria no Cerrado. Parece que os bichos que vivem no Cerrado são menos ariscos que os da Mata Atlântica.

Imensa euforia em encontrar esse belo e arisco columbídeo dando mole

Vou ficando por aqui pois a lista é bem longa, mas em breve eu e o Gabriel Mello criaremos uma para que os birders interessados possam conhecer um pouco mais o que poderão encontrar. E com certeza encontrarão muitas outras! O Balneário Praia Grande esconde ainda muitos tesouros.