sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Até tu, tauató

Ave amigos!!!

Nessa vida tem coisas que não podemos deixar pra depois. Costumava dizer que dois bichos me desdobrariam para ir até eles caso fosse encontrado algum ninho ativo: uiraçu e tauató-pintado, duas das aves de rapina mais raras e difíceis de se encontrar.

Quando soube que o grande Duco, excelente guia de Eldorado/SP e região, havia encontrado um ninho do tauató-pintado (Accipiter poliogaster) em Iporanga/SP, "me virei" e juntamente com o grande amigo Clezio Kleske, partimos atrás desse antigo sonho.

O Duco, diga-se de passagem, é "o cara" dos rapinantes florestais da Mata Atlântica. Além de A. poliogaster, monitora vários ninhos de S. ornatus e tyrannus, sem falar que um dos três registros extra amazônicos de M. guianensis no Wikiaves é dele.

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Iporanga tornou-se famosa no nosso meio em 2013 quando encontraram um ninho de gavião-de-penacho naquelas condições que fazem valer a velha máxima "não deixe pra depois o que se pode fazer hoje"(o ninho nunca mais foi utilizado). O privilegiado ninho colocou Iporanga no livro dos 1000 lugares que todo birder deve conhecer antes de morrer. Mas, claro, não só por isso.

Aves raras e discretas como socó-boi-escuro, sabiá-cica, bacurau-rabo-de-seda podem ser encontradas com facilidade incomum, obviamente se atendidas certas condições (sazonalidade, tempo etc). Aves como tapaculo-pintado, famoso tinhoso das brenhas, desfilam em poleiros com CEP e tudo. Substitutos ecológicos, como o corocoxó e o sabiá-pimenta, são encontrados no mesmo lugar. Não há melhor lugar para fotografar a incrível araponga. Bem amigos, a lista de atrações ornitológicas é imensa.

Carpornis melanocephala
Psilorhamphus guttatus


E ainda temos as surpresas que um lugar com tal potencial pode propiciar. Iporanga está no maior continuum que ainda resta de Mata Atlântica. Pela extensão de boas florestas, arrisco-me a dizer que qualquer espécie nativa dali ainda pode ser encontrada na região. Exemplo recente foi o fantástico registro que o Duco fez do uiraçu (Morphnus guianensis) no Parque Estadual da Caverna do Diabo, na vizinha Eldorado.

Grandes frutificações de taquara podem revelar as últimas pararus-espelho (um dos últimos lugares onde ela foi avistada, o sensacional Parque do Zizo, está no mesmo continuum). Um atento e persistente observador pode ter a imensurável satisfação de encontrar a maior águia do mundo (um guarda-parque do PETAR já me disse que a viu duas vezes), e até mesmo espécies que não costumam ser encontradas não só na região, mas em todo Brasil extra-amazônico, podem pintar, como aconteceu conosco, durante o Big Day.

Foi exatamente no local onde ocorrem simultaneamente o sabiá-pimenta (Carpornis melanocephala) e o corocoxó (Carpornis cucullata) que um passarim diferente chamou a atenção do Clézio. Bati o olho e não tive dúvida, era alguma espécie de piuí, pequeno e valente tiranídeo migrante do hemisfério norte.



Piuí-verdadeiro (Contopus virens), espécie identificada com ajuda de experientes ornitólogos

Foi o segundo registro dessa espécie na Mata Atlântica, primeiro no Wikiaves (essa sp. migra até a Amazônia). São fatos como esse que tornam nossa atividade algo muito especial.

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Tã tã tã tã tã tã tãããã, plantão do sensacionalista!!! Acaba de findar (?) uma boa celeuma em torno da identificação de um acipitrídeo que fotografamos a cerca de 100 metros do ninho. Trata-se do macho de tauató-pintado!(p@rrraaaaaa) Mais uma vez o grande Clezio achou o bicho e quando bati o olho pensei que fosse um Accipiter bicolor. Mas quando tratava a foto percebi a falta do ferrugem na asa (o bicho era unicolor) e comparando com outras fotos, o padrão da cauda também estava diferente. Para decifrar tal enigma consultei os maiores especialistas na área.

E não é que era o tal do tauató?!!!

Ainda bem, porque foram horas de observação do ninho, durante dois dias, e o melhor que consegui foi uma foto bem mais ou menos de meia fêmea dentro do ninho.

Digno de nota foi a observação de uma super veloz perseguição a um tucano-de-bico-verde que arriscou um voo próximo ao ninho. Só vi uma imensa e pontiaguda asa branca sumindo no meio das árvores e depois de um tempo uma flecha desaparecendo dentro do ninho. A impressão que tive foi de ter visto um grande e silencioso caça da natureza. Só deu pra sentir porque o tauató-pintado é considerado uma espécie fantasma e porque é o maior Accipiter brasileiro. Outro motivo porque me enganei quando vi o macho. Do porte de um A. bicolor, não sabia que o dimorfismo nessa espécie era tão acentuado!

Somente no meio da tarde, com a temperatura muito alta, a belíssima fêmea saiu um pouco de dentro do ninho.

Confesso que voltei pra casa um pouco decepcionado, pois achava que o filhote já teria nascido, mas a surpresa do macho, dias depois, mostrou mais uma vez quão mais legal é a observação com o upgrade da fotografia.

Um adendo: por pura coincidência estávamos em Iporanga no dia do Big Day Brasil. Nunca conseguira participar, mas dessa vez estava num hotspot! Mesmo permanecendo por horas nas imediações do ninho, nossa equipe ficou em 31º lugar no ranking nacional. Qualitativamente também a lista ficou muito boa! Com destaque para piuí-verdadeiro, tauató-pintado, gavião-de-penacho, gavião-pombo-grande, macuco, bacurau-rabo-de-seda (ouvimos pelo menos três indivíduos), bacurau-tesoura-gigante, sabiá-cica etc.

A lista completa pode ser conferida aqui: http://www.taxeus.com.br/lista/10618

No dia seguinte ainda fomos ao Parque Estadual da Caverna do Diabo, onde o Duco registrara o uiraçu. Mas a chuva prometida pela meteorologia durante todo final de semana só caiu quando lá chegamos. E caiu pra valer, "em baldes", impossibilitando nossas buscas. Quem deu as caras, melhorando a foto que tinha feito no dia anterior, foi o cais-cais, um dos 5 lifers realizados nessa viagem, o que me fez alcançar a marca das 999 aves brasileiras registradas. Agora fica a questão, qual será a milésima?!

Euphonia chalybea


Captando os sons do fim do dia e aguardando o raro bacurau-rabo-de-seda
Foi uma viagem inesquecível, com muitas surpresas boas e não tão boas assim (voo perdido, acidentes materiais), mas como sempre, com muito aprendizado e novas amizades. Agradeço imensamente ao Clezio, pela paciência extrema e ótimos papos, e Duco, pela excelência e disposição. Duco, vamos ver se aquele esquema do uiraçu sai o mais rápido possível, heim?!

Ah, e para não me estender ainda mais deixei pra falar num outro post sobre o pré e pós tauató. Só lhes adianto que teve das mais belas e das mais ameaçadas aves do Brasil.

Inté!


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