sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Grande sertão: Montes Claros

Ave!

Essa viagem foi planejada inicialmente como comemoração do niver do meu querido tio Maninho, grande companheiro de passarinhadas em terras mineiras. Iríamos para seu lugar favorito, a serra da Canastra, mas atendendo ao seu caridoso coração, preferiu não ir, o que é digno de minha profunda admiração. Agradeço-o imensamente pelo carinho e atenção dispensados à nossa querida vovó Naná.

Nesse ínterim estava conversando com o grande amigo, meu irmão camarada, Wagner Nogueira, sobre o já dilatado tempo decorrido desde nossa última viagem. Foi então que ele sugeriu uma ida ao Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no extremo norte mineiro. A isca da vez foi o bacurau-do-são-francisco (Nyctiprogne vielliardi).

Com as folgas já agendadas, as passagens pra BH compradas e o estupefamento por ver somente três fotos (pouco reveladoras, diga-se de passagem) desse bicho no Wikiaves, não titubiei! Lá fomos nós em busca do críptico caprimulgídeo num dos mais longínquos sertões mineiros, região das Cavernas do Peruaçu.

Vista de um dos mirantes do Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu

Mas antes fizemos uma escala em Montes Claros. O Wagner aproveitou para me apresentar uma futura nova espécie, que já nascerá ameaçada de extinção, o asa-de-sabre-da-mata-seca (Campylopterus calcirupicola). Ele conhece um ponto infalível dessa raríssima espécie no Parque Estadual da Lapa Grande.



Enquanto fotografava o raro beija-flor, pintou um lifer muito festejado! E ainda daquele jeito que é o melhor do mundo, inesperadamente.

Papa-lagarta-acanelado, primeiro Coccyzus observado por este que vos fala

Outro bicho bacana que pintou nessa breve visita a Montes Claros foi o tico-tico-do-são-francisco.

Brenha é o que não falta na Mata Seca, e o ilustre Arremon não saiu dela

Bem amigos, viajar com o Wagner sempre é um grande aprendizado, e um dos que mais curti dessa vez foi sobre a Mata Seca, ecossistema onde passaríamos quase todo nosso tempo.

Lembro-me das aulas da minha matéria favorita sobre uma floresta que perdia todas as folhas na época da seca, a Floresta Estacional Decidual (não me lembro de ter aprendido sobre a denominação "Mata Seca" naquela época). Mas só agora pude aprofundar um pouco meus conhecimentos sobre essa floresta incrível, muito ameaçada, alijada pelo poder público e praticamente desconhecida do nosso povo.

Até aquele momento só sabia que tal Floresta perdia completamente suas folhas durante a estação seca, e com o retorno das chuvas, na primavera, o verde brotava novamente, reiniciando o ciclo.

Os mapas que estudei no colégio não diferenciavam a Mata Seca do Cerrado, inserindo a primeira nos domínios do segundo.

Ledo engano, a Mata Seca, como pude presenciar in loco, está muito mais para a Mata Atlântica do que para o Cerrado. Aves como surucuá-variado, chupa-dente, gavião-de-penacho, nos remetem ao bioma atlântico. Árvores como jequitibá e jatobá, idem. E conhecendo tal Floresta na primavera, realmente não resta dúvida, aquela mata não tem nada a ver com o Cerrado.

Foto: Wagner Nogueira


Infelizmente, nas centenas de quilômetros que rodamos no seu domínio, alguns poucos fragmentos secundários, e até mesmo nas áreas de preservação, num passado não muito remoto, houve muito corte seletivo, mas ainda podemos encontrar alguns imponentes e centenários jequitibás.

Outro aprendizado que muito me surpreendeu foi sobre o tipo de solo que se desenvolve a Mata Seca, aliás, para minha completa surpresa, o solo é que define o ecossistema! O Cerrado, por exemplo, só se desenvolve sobre solo ácido, já a Mata Seca se desenvolve sobre solo calcário, básico, geralmente  sobre afloramentos calcários.

Floresta Estacional Decídua do PARNA Cavernas do Peruaçu

Sobre afloramento calcário
Outro dado muito interessante: as raízes das árvores da Mata Seca são superficiais, já as raízes das árvores do Cerrado são profundas, chegando a alcançar os lençóis freáticos, por isso também nunca perdem suas folhas, mesmo durante a mais rigorosa estiagem, ao contrário das árvores da Mata Seca, que perdem todas suas folhas. A floresta então se torna alva, devido à cor dos troncos nus, o que deu origem ao nome da capital do norte de Minas, Montes Claros.

Deixamos os montes já verdes da Lapa Grande e partimos para nosso destino final, Itacarambi, terra do Peruaçu e de muitos bichos legais!

2 comentários:

  1. Uma matéria de deixar qualquer Redator-Chefe de água na boca. Suas matérias são sempre excelentes e bem redigidas, leva a gente a viver a aventura como se lá estivéssemos. Obrigado pela loa a minha pessoa, apesar de nem tanto, mais é bondade sua. Parabéns pela excelente matéria.

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